terça-feira, 29 de outubro de 2019
Inácio
Inácio olhou para o espelho. Havia um rosto cansado e
macilento, com olheiras profundas e barba por cortar.
Sentia-se a mais miserável das criaturas, quando atirou a
água fria para a cara, numa vã tentativa de expulsar os vapores do álcool do
dia anterior.
Abandonou a toalha descuidadamente, em cima do lavatório e
tropeçou para fora da casa de banho.
O mortiço sol de inverno parecia apostado em ferir-lhe os
olhos, através das lentes coloridas, enquanto se arrastava pela calçada, em
direção ao emprego, de que estava farto.
Não tomara banho, nem desfizera a barba... não conseguira
convencer-se a entrar no chuveiro, mesmo sabendo que se iria sentir melhor.
Parou no pequeno quiosque da esquina e não precisou de pedir
o maço de tabaco, pois este foi de imediato colocado em cima do balcão, pela
mulher rechonchuda, de ar maternal.
— Bom dia Inácio. — Sorriu-lhe de trás do balcão.
Oscilante, procurou nos bolsos o dinheiro para o tabaco, que
contou na mão direita.
Sem responder, mas esboçando um sorriso que mais parecia um
esgar, pousou as moedas em cima do balcão enquanto grasnava:
— Dê-me uma raspadinha de um euro. Quem sabe se a minha
sorte não mudou de ontem para hoje.
Com um ar de reprovação, a mulher pousou o impresso sobre o
maço de cigarros. Recolheu as moedas, sem contar, mesmo sabendo que não eram
suficientes, enquanto perguntava:
— Foste para as cartas ontem, outra vez, não foste?
A raspar o impresso, ele deitou-lhe um olhar de soslaio
enquanto respondia:
— Que quer, mãe? Já sabe como eu sou...
— Perdeste muito? — Ela tinha lágrimas nos olhos.
— O costume... demasiado.
— Meu filho... não ganhas juízo, valha-te Deus. Que queres
fazer da tua vida?
Ele atirou raivosamente com a raspadinha inútil para o chão,
mesmo ao lado do cesto dos papeis.
— Recebi o ordenado anteontem e já f** tudo. — Lamentou-se.
— Parecia estar a correr tão bem. Tinha duplicado o dinheiro, mas, de repente,
foi como me fizessem um mau-olhado e não ganhei mais... foi-se o relógio também…
Não vou conseguir pagar a prestação da casa outra vez.
— A Alice já sabe?
— Não… estava a dormir quando cheguei e quando acordei, já
tinha saído para o trabalho... — Ele atirou-lhe com aquele olhar de criança
perdida, que lhe recordava as tropelias, que ela não conseguira castigar.
— Meu filho, amo-te muito, mas não vou emprestar mais
dinheiro.
O rosto de Inácio transfigurou-se numa máscara de desdém.
— Quem pediu dinheiro? — Vociferou.
— Ias acabar por pedir. — A mãe tinha os olhos com lágrimas.
— Não te ponhas com choraminguices! — Gritou-lhe virando as
costas enquanto tirava um cigarro do maço e o acendia, com as mãos trementes. —
É por causa disso que até vou comprar o tabaco a outro lado!
Não, meu filho. — A mulher assoou-se ruidosamente. — Vens
aqui quando não tens dinheiro que chegue. — Fez-se um silêncio pesado entre
ambos, enquanto ela retorcia a revista que tinha sobre o balcão e tentava
espreitar-lhe o rosto. — Como vais fazer então?
— Não sei. — Inácio soltou uma baforada, sem se voltar, o
olhar perdido na avenida que se estendia à sua frente. — Pedi um adiantamento
no emprego, no mês passado. Não posso pedir outra vez.
— Já te emprestei mais de mil euros, meu filho. Que pensas
fazer da tua vida? Eu não sou rica!
— Vais-me atirar com isso à cara, agora? — Inácio voltou-se,
de repente, erguendo os braços em impotência. — Que queres que faça? A sorte
não me ajuda! Olha que já ganhei muito dinheiro às cartas…
— Nunca vi nenhum! — Respondeu a mãe amargamente, enquanto
abria a máquina registadora. — Quanto precisas para a renda da casa?
Ele atirou-se sobre o balcão e deu-lhe dois sonoros beijos
no rosto, mas quando tentou chegar à caixa, foi uma palmada decidida que lhe
estalou na mão.
— São trezentos e oitenta "paus" do mês passado e
outro tanto deste mês. — Sorriu divertido, fingindo-se envergonhado, enquanto
esfregava a manápula.
— Tens aqui quatrocentos, vai pagar o do mês passado, ante
que te tirem a casa. — Ela pousou as notas em cima do balcão, sentindo-se
imensamente velha. — A culpa de seres como és, é principalmente minha. Sempre
tentei esconder as tuas velhacarias do teu pai, pobre coitado, que se matou a
trabalhar.
— Deixa lá estar o velhote sossegado. — O homem fez uma
careta. — Podia ser muito trabalhador, mas as mãos não eram para fazer
carícias, mas para me moerem o lombo.
— Nunca tas deu, que as não merecesses! — Ela defendeu o
marido com ardor. — E não levaste mais, porque escondi eu muita coisa e tirei
dinheiro de casa para pagar os teus estragos. Nunca fizeste por melhorar,
tentavas corrigir uma patifaria com outra ainda maior. Agora que deixaste os
bandidos dos teus amigos, gastas o que tens e o que não tens, em cerveja,
tabaco e jogo!
— Ora, mãe, deixa-me! Pareces a porra da Alice, sempre a
moer-me o juízo! — Ele contou as notas de vinte euros e meteu-as ao bolso, com
um sorriso de satisfação.
— Essa pobre criança também tem sofrido bastante nas tuas
mãos… — Por uns instantes, o aspeto maternal tornou ao rosto dela.
— Deixa-te disso! Nunca gostaste dela!
— Nunca gostei do aspeto dela, é verdade, de saia curta e
sempre pintada, se tem marido em casa, não precisa de se arranjar como se
andasse "à caça". — A mulher apontou o dedo acusador ao filho. — Mas
ela e o emprego mal pago que tem, é o que vos tem valido para corrigir os teus
constantes desatinos! Se te ajudo, não é por ti, nem por ela, é para o meu
netinho, que vai passar necessidades, se vocês não tiverem dinheiro.
— Oh, pá, pronto, vai começar a ladainha. Vou-me embora, que
vou chegar atrasado ao trabalho.
— Não te dou mais dinheiro, ouviste? — A matriarca
gritou-lhe enquanto ele se afastava.
— Sim, sim, ouvi! Até pode ser que hoje já não precise dele!
— Ele parou junto da passadeira. — Posso ter sorte!
— Ah, bandalho, que dás cabo de mim! — Gritou a mãe. — Só
levas o da renda deste mês, quando vier cá a Alice dizer-me que está pago o
atrasado, ouviste?
— A Alice, não sei onde
para. — Inácio respondeu-lhe, com uma expressão revoltada, antes de se afastar
em passos largos. — Foi-se embora na
semana passada e não voltou mais.
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
Nova antologia Sui Generis - Bendita Manjedoura
Mais uma participação em antologias. Desta vez sob o tema do Natal, foi incluído um conto inédito "O Natal de Miriam".
De: SUI GENERIS
Date: sábado, 12/10/2019 à(s) 12:12
Subject: BEN 007 - Manuel Amaro Mendonça - 1 Texto
To: Manuel Amaro Mendonça
Date: sábado, 12/10/2019 à(s) 12:12
Subject: BEN 007 - Manuel Amaro Mendonça - 1 Texto
To: Manuel Amaro Mendonça
Bom dia, Manuel Amaro Mendonça.
Obrigado pela submissão do seu texto com o
título
à antologia «BENDITA MANJEDOURA!».
Recebemos o seu ficheiro em perfeitas
condições.
O envio de qualquer texto para este
projecto literário pressupõe conhecimento e aceitação de todos os pontos do Regulamento,
que se encontra disponível neste endereço:
Se ainda tiver alguma dúvida, faça o favor
de esclarecê-la. Estamos disponíveis para responder a qualquer questão.
Todos os textos recepcionados neste email
serão submetidos ao processo de selecção para a antologia «BENDITA MANJEDOURA!» e o resultado da selecção será divulgado (de
acordo com o Ponto 5 do Regulamento) no prazo de duas semanas após a data
limite para recepção dos trabalhos. Recordamos que este projecto colectivo é uma
Antologia Sui Generis, organizada e coordenada por Isidro Sousa, responsável
pela Colecção Sui Generis, e o livro será editado com a chancela Euedito.
Daremos notícias durante todo o processo de
selecção.
Estaremos em permanente contacto com todos
os autores participantes. Poderá acompanhar-nos através das redes sociais,
das nossas páginas no Facebook, do blogue Edições Sui Generis e dos grupos «BENDITA
MANJEDOURA!», «LETRAS SUI GENERIS» e «ISIDRO SOUSA E AUTORES».
Resta-me enviar-lhe um grande abraço.
E seja bem-vindo a este trabalho
colectivo!
Isidro Sousa
quarta-feira, 2 de outubro de 2019
Além - Novo projeto, para os mesmos autores
Depois de "Antes Quebrar que Torcer", Ana Paula Barbosa, Carlos Arinto, Jorge Santos, Manuel Amaro Mendonça e Suzete Fraga, resolvem juntar novamente os seus trabalhos, numa despretensiosa antologia.
Além é um tema que permite, a cada autor, uma liberdade de pensamento e, como é hábito, as mais diversas variações e interpretações da palavra. Mas ficam aqui algumas palavras de Carlos Arinto, num excerto da introdução à obra:
"Sendo o tema muito abrangente, ou pelo menos,
suficientemente abrangente para permitir todas as interpretações, cada um dos
autores criou aquilo que lhe parece ser demonstrativo desse espaço imaginado:
um espaço onde se pode ir sempre mais além.
O além, não está aqui, mas além. E onde é esse além? Onde o
quisermos situar, mas como somos nós que estamos “aqui” temos de nos esforçar
por colocar em palavras o que pode existir além.
(...)
As histórias apresentadas são reais, elas existem, e, mesmo
depois de apagadas da rede informática que as suporta, depois de ignoradas
pelos leitores ou destruídas pelas chamas das catástrofes…continuarão a existir.
Se existem, são reais, mesmo que duvidemos da sua existência, enquanto
acontecimentos a que um reduzido número de testemunhas dá autenticidade
factual. Afinal, a ilusão e o sonho, bem como a invenção e a imaginação, depois
de libertos, são imparáveis e voam mais além."
Brevemente, estará disponível no sítio da Amazon, em todo o mundo.